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- Le Soir May 24, 2006
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O Grande Gatsby No Teatro: Uma Maratona Genial
***** (5/5 estrelas)
de Rita Martins
A companhia nova-iorquina Elevator Repair Service convida o público assistir a um espectáculo que dura cerca de seis horas, sendo este o tempo correspondente à leitura integral da novela de Scott Fitzgerald The Great Gatsby. Com coragem e determinação, dirigimo-nos para a Culturgest e é com gratidão que olhamos para as almofadas nas cadeiras, fundamentais para amortecer as possíveis dores físicas provocadas por esta verdadeira maratona de teatro.
A surpresa e curiosidade preenchem os momentos iniciais quando, em flagrante oposição ao ambiente sofisticado dos “loucos anos vinte” de Fitzgerald, vemos um escritório sombrio, de aspecto obsoleto, a servir de cenário; nesse espaço desordenado, numa década imprecisa do século XX, um funcionário (Scott Shepherd) começa o seu dia de trabalho a lutar com um computador que se recusa a funcionar e começa a ler The Great Gatsby em voz alta. O quotidiano do escritório agita-se, entram e saem pessoas com ocupações mais ou menos identificáveis – como um segurança, uma secretária, um rapaz da manutenção – e, de modo quase imperceptível, os gestos dos funcionários começam a imiscuir-se na leitura do colega, ou seja, na narrativa de Nick, o observador da trágica vida de Gatsby. O jogo entre a ficção cénica e a ficção literária vai manifestando-se com subtileza: primeiro através da coincidência ocasional entre movimentos e expressões descritas, depois com a apropriação de frases e, finalmente, os diálogos passam para os actores, transformando-se em cenas hilariantes, trágicas, sinistras, comoventes.
A imensa leitura é preparada de forma lenta e paciente na primeira parte, a que os actores chamam a Secção do Susto. E é, na verdade, da desconfiança que vai nascendo o compromisso de acompanhar a maratona. Estranha-se e depois entranha-se. Arrastado para o jogo, o público torna-se cúmplice absoluto e entrega-se, sem resistência, ao imenso prazer desta representação complexa. Entregue ao fluxo narrativo de Scott Shepherd, a imaginação liberta-se, concebe cenários, ambientes, percorre espaços; atentos à actuação, vemos funcionários de um acanhado escritório a desdobrarem-se nas personagens literárias. Os dois níveis ficcionais mantêm-se intactos, o cenário não se altera e os actores/funcionários resistem à metamorfose, o que permite fazer e desfazer jogos, brincar com as convenções, provocar distâncias ou criar simpatias. A inteligência e a ironia, aliadas à destreza interpretativa e precisão matemática dos gestos, seduzem até ao fim. O resultado é um paradoxo genial – o espectáculo é inteiramente literário e inteiramente teatral. E, como no final dos grandes romances, é com relutância que deixamos as personagens do livro, as personagens do escritório, os fenomenais actores e actrizes que tão longamente acompanhámos em tão íntima cumplicidade.